segunda-feira, 16 de julho de 2007

domingo, 15 de julho de 2007

dói-me o peito

não te amo por quem és, mas pelo que sou quando estou contigo.


dói-me o peito destila os humores da noite resgatada à garagem e a uma cerveja mijona servida em bacios de plástico, e cigarros enrolados entre dentes drásticos
dói-me o peito, assobia, como o motor do carro engasgado pelos anos de rodagem
dói-me o peito, lembra-me, quem está por trás da acção?
dói-me o peito, mas o melro, apesar da chuva, espreita, a televisão debita filmes velozes tiros nas trombas e lingerie de domingo tardio
domingo e a semana por um fio
e a consciência, ela não te disse que eu não trazia consciência
alojou-se no peito, traz-me o estômago suspeito
o meu peito dói
dói-me a gente, dói-me a manhã que não vi
(eu) peso, como um intoxicado, todos os pensamentos em vertiginoso cardo, inspiro expiro
não porque aspire, inspiro expiro, porque na leva o vento que me entretém a dose que me mantém titubeante à tona desta barcaça me faz massa, dor de peito e graça
dói-me o peito, e a jeito doem-me todas vós em mim
eu mais elas, déspotas sim
dói-me a voz no peito
e o peito em mim


nota: imagem da pinga de mel

adeus português, alexandre O'Neill

Nos teus olhos altamente perigosos
vigora ainda o mais rigoroso amor
a luz dos ombros pura e a sombra
duma angústia já purificada

Não tu não podias ficar presa comigo
à roda em que apodreço
apodrecemos
a esta pata ensanguentada que vacila
quase medita
e avança mugindo pelo túnel
de uma velha dor

Não podias ficar nesta cadeira
onde passo o dia burocrático
o dia-a-dia da miséria
que sobe aos olhos vem às mãos
aos sorrisos
ao amor mal soletrado
à estupidez ao desespero sem boca
ao medo perfilado
à alegria sonâmbula à vírgula maníaca
do modo funcionário de viver

Não podias ficar nesta casa comigo
em trânsito mortal até ao dia sórdido
canino
policial
até ao dia que não vem da promessa
puríssima da madrugada
mas da miséria de uma noite gerada
por um dia igual

Não podias ficar presa comigo
à pequena dor que cada um de nós
traz docemente pela mão
a esta pequena dor à portuguesa
tão mansa quase vegetal

Mas tu não mereces esta cidade não mereces
esta roda de náusea em que giramos
até à idiotia
esta pequena morte
e o seu minucioso e porco ritual
esta nossa razão absurda de ser

Não tu és da cidade aventureira
da cidade onde o amor encontra as suas ruas
e o cemitério ardente
da sua morte
tu és da cidade onde vives por um fio
de puro acaso
onde morres ou vives não de asfixia
mas às mãos de uma aventura de um comércio puro
sem a moeda falsa do bem e do mal

Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti